Em tempos passou um sábio por um reino, deixando todos maravilhados com a sua sabedoria. De tal modo sábio, mas também ousado, propôs ao rei ensinar o seu burro a falar no espaço de um mês, a troco duma quantia acordada. O rei, como gostava de possuir aquilo que mais ninguém tinha, aceitou a proposta. O sábio, passado o mês, vai ao palácio real entregar o burro, uma vez que havia já cumprido o seu trabalho. No dia seguinte, o rei mandou que trouxessem o homem à sua presença, indignado por este não ter ensinado o burro a falar e reclamando o seu dinheiro de volta. Então, com uma atitude humilde, o sábio disse que não devolveria o dinheiro porque tinha, de facto, e ao contrário do que o rei afirmava, ensinado o burro a falar. “Como, se ele não fala?”, perguntou o rei, furioso. Então o sábio respondeu, seguro de si: “Isso não é problema meu. Eu ensinei, ele é que não aprendeu.” O rei era um homem sensato, apesar das suas manias, pelo que deixou o homem ir em paz.
Esta parábola antiga evidencia aquilo que é fundamental para que a aprendizagem aconteça: um lado a ensinar e outro a aprender. Quem não quiser, ou não tiver condições à partida para fazer uma determinada aprendizagem, não a fará. E nesse caso não se podem apontar culpas a quem ensina. Ora, este é o grande drama do ensino na atualidade. Os alunos não são burros, mas se a sua atitude não for a adequada face à aprendizagem, também não aprenderão, e isso não quer dizer que o professor não esteja a cumprir o seu papel. Por vezes ouve-se de alguns alunos e de alguns pais (e não só) que os professores não ensinam. Seria importante que tivessem esta parábola em mente.
Quem teima em atribuir culpas aos professores tem de olhar para esta realidade, uma vez que o comportamento dos alunos é o grande responsável pelo seu insucesso. Então pode questionar-se… A quem compete mudar este estado de coisas? E resposta é simples… É a quem permite que isto aconteça. Não são os professores que ensinam os comportamentos incorretos aos alunos, nem são eles que produziram a legislação que empecilha todo e qualquer trabalho sério no sentido de os disciplinar.
Nas situações mais complicadas manda-se para a rua. (Muitos professores não mandam por causa daquilo que está escrito neste parágrafo.) Para mandar para a rua é preciso preencher papéis. Depois os pais contestam os papéis, às vezes com mais papéis. Para fazer um conselho disciplinar é preciso que haja muitos papéis desses, de preferência acompanhados por outros papéis, acrescentados por quem instaurar o processo, se for caso disso. O conselho de turma propõe uma pena que poderá não agradar ao diretor da escola, nem aos membros do conselho pedagógico. Quer dizer, lá no fundo concordam, mas não decidem de acordo com a sua consciência com receio de que venham outros papéis: dos pais, da sua associação, da psicóloga, da direção regional ou do ministério… que façam tudo voltar atrás. Isso obrigaria a analisar de novo os antigos papéis e a apreciar os novos papéis, a equacionar anteriores receios e os novos receios. No fim, os diretores e os conselhos pedagógicos acabarão, em regra, por decidir aquilo que mais agradar aos pais, que é uma simples repreensão escrita ou o arquivar do processo. Escusado seria dizer que o professor poderá muito bem vir a ser apontado, pelo aluno e pelos pais, como o culpado por tudo isto.
Mas as questões disciplinares são muito mais complexas do que aquilo que se restringe a uma sala de aula. Nas muitas escolas onde os problemas disciplinares não têm o desfecho que deviam ter, os alunos passam de boca em ouvido a mensagem “aqui podemos fazer o que quisermos porque não nos acontece nada”. Isso inclui estragar equipamentos, agredir colegas, insultar professores e funcionários. Obviamente, assim já se percebeu que não se vai lá e que ambos perdem: os professores, porque se desgastam e desmotivam; os alunos, porque não aproveitam como poderiam as aprendizagens que os professores lhes tentam passar.
Não cumprindo o seu papel, o ensino chegou ao fim. Já não é ensino porque deixou de haver educação. O ensino não sobrevive à ausência de educação. Daqui a uns tempos não se chame ensino a “isto”, porque “isto” já não o será. Utilize-se ou invente-se outra palavra. Porque gostamos de números curiosos, podemos propor como data simbólica para o fim do ensino o dia 11/11/11, onde cada 1 existe a par com outro 1. Facílimo de recordar, por muito tempo que passe.
Paz à sua alma.
António Galrinho
Professor
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